domingo, 8 de setembro de 2013

A Grande Retomada


Mestrando: Téo de Miranda
Orientadora: Patrícia Ozório 



O presente texto pretende apresentar minha experiência vivenciada durante atividade proposta na  disciplina Tópicos Especiais em Poéticas Contemporâneas II: Atrações Temporárias  ministrada pela professora Maria Thereza Azevedo na UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso). Nesta disciplina foi sugerida a realização de uma intervenção urbana, que denominou-se República do cochilo. Através dos processos colaborativos e da fruição artística de cada estudante pôde-se alcançar impressões sobre a cidade e seu cotidiano desenfreado.
A intervenção contou com vários momentos, regados a sombrinhas que  refletiam sobre a falta de árvores na cidade verde até a banca do desabafo, onde o cidadão pudesse expor seus pensamentos/emoções.

Distante dali

Enquanto a turma de mestrado realizava sua intervenção em algumas praças e no 'Senadinho' em Cuiabá, eu estabelecia também neste dia 5 de junho de 2013, minha observação  diante da intervenção denominada ''retomada'' realizada pelos indígenas Terena  no município de Aquidauana - MS, mais precisamente em um Distrito desta cidade, denominado de Taunay, que é composto por aldeias indígenas e fazendas de criação de gado. 

A partir das leituras de sala de aula, da intenção da intervenção república do cochilo e da minha experiência com os Terena, procurarei aqui trazer a luz diversas questões para se pensar a cidade em contraponto a retomada. Ou seja, aplico o pensamento situacionista no contexto em que eu estava inserido naquele momento e a modificação desses espaços em lugar de/em espaço da revelação, da crítica e da transformação. (SILVA, 2008).

Embasando-me no interesse dos situacionistas pelas questões urbanas como terreno de ação, de produção de novas formas de intervenção e de luta contra a monotonia, ou ausência de paixão, da vida cotidiana moderna.



O desenvolvimento das cidades, o crescimento dos mercados globalizados e a expansão dos latifúndios, afetam diretamente as populações indígenas, que vem sofrendo com a perda dos seus direitos a terra e interferindo no modo de vida tradicional.
  

Estava eu ali, então em uma retomada de terras, realizada pelo povo Terena  num Distrito de uma cidade. Sobre este povo, é interessante observar que estão em trânsito entre as cidades e as aldeias, para buscar formas de subsistência já que trata-se de um povo comerciante e com facilidade de diálogo com o não indígena, e muitos deles trabalham e estudam nas mediações das aldeias.  


Segundo Guy Debord, o movimento situacionista propunha a apropriação dos espaços, a criação das  situações, a mudança do curso do caminhar e do olhar ela. Ao realizar a leitura deste trecho destaco uma palavra chave para explicar a motivação dos movimentos de retomada Terena. Destaco então:

Propunha a apropriação dos espaços: historicamente esses espaços onde acontecem as retomadas Terena, pertenciam a este povo até a guerra do Paraguai. Enquanto os Terena lutavam pelo Brasil junto as tropas brasileiras, esses espaços foram vendidas e cedidas pelo Estado aos latifundiários sem consulta as comunidades indígenas.  Nos dias atuais os Terena buscam se reapropriar desses espaços ancestrais. Na fala de uma senhora Terena, ela explicita que 'a retoma não acontece para requerer os bens dos fazendeiros e sim para requerer o que é nosso (do povo Terena)'.

Outra relação que faço da retomada ao pensamento dos situacionistas, esta no fato deles (os situacionistas) terem percebido que não seria possível propor uma forma de cidade pré-definida, pois segundo suas próprias idéias, esta forma dependia da vontade de cada um e de todos.

No caso da comunidade indígena se trata de uma terra coletiva.  Vê-se que toda a composição do local foi modelada de acordo com a vontade e consenso conjunto de cada indígena ali presente, movidos pela cultura tradicional do espaço e suas habitações e também atendendo a necessidade de cada família ao compor o  espaço, para que atenda a necessidade de todos ali presentes.  A utilização da terra por parte dos fazendeiros é uma apropriação individualista, onde se prioriza a produção de bens e consumo, com base na criação do gado e a exploração de mão de obra.

É isso que as retomadas pretendem. revolucionar o cotidiano 'machucado' das terras ancestrais. Propor uma intervenção política, de transformação geográfica e cultural, respeitando o tempo vivenciado por aqueles habitantes. Um tempo, que se relaciona com as cidades próximas, mas que, seguem um fluxo de pensamento diferenciado.

Interferindo
Estive na retomada com a função de realizar o registro de foto e vídeo e posteriormente editar este material e disponibilizar na internet para que as 'cidades' tenham acesso ao conflito. Essa ação aconteceu no dia em que existia a expectativa da chegada da Polícia Federal para reintegração de posse, ou da força nacional com a missão de amenizar os conflitos. Felizmente tivemos a visita da Força Nacional, que presenciou de perto a situação deste povo e pôde dialogar com a comunidade.

Encanto - olhar estrangeiro
O meu encanto aconteceu ao ver a força de vontade de ocupar e cultivar uma terra ferida pela exploração dos seus recursos, já que a criação de gado enfraquece o solo (nas palavras dos próprios Terena) para a plantação, porém que carrega valores simbólicos e de memória ancestral.





Referência bibliográfica

JACQUES, P. B. . Urbanismo à deriva: pensamento crítico situacionista. In: VII Seminário de História da Cidade e do Urbanismo, 2002, Salvador, 2002.


SILVA, Regina Helena Alves da. Cartografias Urbanas: construindo uma metodologia de apreensão dos usos e apropriações dos espaços da cidade. Visões Urbanas - Cadernos PPG-AU/FAUFBA Vol.V - Número Especial – 2008.